~ segunda-feira, abril 29, 2002
Na falta de palavras bonitas, reproduzo as dos outros. Esse poema é cortesia de meu amigo Leelesd, do tempo em que ele costumava me mandar presentes por email.
UMA ESPÉCIE DE PERDA
(Ingeborg Bachmann)
Coisas que usamos a dois: as estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto de pão, lençóis de linhos e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos, fizemos. Estendemos a mão.
Apaixonei-me por invernos, por um septeto vienense e por verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada
(o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi.
Perdi o mundo.
O amor é lindo
Eu acredito que quem trabalha com o que ama faz bem melhor do que quem tem uma relação mais burocrática. Até falo um pouco sobre isso num texto que estou fazendo pro Spam Zine e que em breve publico aqui.
O texto abaixo é um trecho do editorial de abril da Contracampo. Muito bacana.
Como falar de filmes? Pior: como falar de filmes dos quais já se falou tudo? Como falar de filmes que nos tocaram para além de qualquer estudo, que fizeram parte decisiva de nosso percurso pessoal, filmes que não poderiam sem uma certa dose de hipocrisia serem comentados senão na primeira pessoa? Contracampo faz esse mês A Primeira Vez Que Me Apaixonei, uma espécie de estudo regressivo, de cinepsicanálise para tentar dar conta de uma dimensão que a crítica cotidiana de cinema, com pretensões à objetividade, muito comumente esquece: a de simples amante de cinema, de pessoa que se deixa afetar por um universo que se tornará seu pelo resto da vida. Completa a revista a primeira parte da cobertura dedicada ao festival de documentários É Tudo Verdade, com textos sobre Johan van der Keuken e Frederick Wiseman. Em maio tem mais.
Não me peça pra falar nada. Do que eu tinha pra te dar, só sobrou o silêncio.
Faça a fineza de aceitar.
Sonhos
Respiração ofegante. Suor. O cheiro dele. Nos olhos e no coração descompassado, o que eu não queria que ele percebesse. Mas acho que era inevitável. Ele já sabia, há muito tempo. Eu não disse nada. Não com palavras. E ele notou. Não sei esconder essas coisas.
O sonho que eu tive não foi bom. Ele me deixava sozinha. Num lugar cheio de pessoas estranhas, eu me sentia extremamente só. Uma intrusa. Ele me perguntou, mas eu não quis contar. Dizem que os sonhos muitas vezes são a expressão dos nossos medos inconscientes, e ele podia me achar louca. Ali, nos braços dele, eu também me sentia uma intrusa. Sou pessimista, pensei. Em vez de aproveitar os momentos.
Ele me abraçou, e me beijou, e foi criança mais uma vez. Mas eu não consegui dormir de novo. O tempo todo querendo me livrar daquela sensação estranha, o aperto no peito, o frio na barriga. Eu preciso de calma. Preciso. Está tudo bem, por que me sinto esquisita? Por que o medo?
Naquele dia, eu sequer imaginava que ainda iria viver aquele sonho mais uma vez. Mas, quando ele sumiu, eu não fui procurar. Dessa vez eu já sabia o final.
Em homenagem ao MARAVILHOSO show do Los Hermanos sábado passado na Loud, vai a letra dessa música que é linda e é a cara das pessoas blasées como eu, segundo dizem as minhas amigas.
Onze dias
(Rodrigo Amarante)
Eu descobri um mundo teu e ele é manso
Sem perceber tive paz e só me dei conta
Quando eu te vi e perguntei como é que vai você
Tudo bem?
Falta entender o que me faz pensar
Que só ela pode ter tanta paz pra me dar
Ninguém mais tem tanta paz
Eu te vi e cheguei pra falar
Certinho?
~ sábado, abril 27, 2002
Ganhei um mini-conto dele:
Quais são os planos? Das pessoas que amei, quantas ofendi? E quantos sonhos eu perdi? Mas quantos dependiam só de mim?
As pessoas que matei, e os beijos que esqueci, hoje jazem sob o amor que construí.
Não é lindo? Eu adorei. Adoro presentes imateriais. Acho que são os melhores.
Prioridade
Não se apaixona por mim, foi o que ela disse. Mas não era tão simples assim. Eu sou daquele tipo de homem que as mulheres chamam de bonzinho, que dizem estar procurando — mas por quem nunca se apaixonam. E é claro que eu me apaixonei.
Ela estava sozinha há algum tempo depois de um relacionamento de anos, e dizia que não queria se envolver de novo. E, mesmo que fosse, certamente não seria comigo.
E eu, me achando forte, acreditei que me contentaria com o que ela me dava em sua presença ocasional. Mas de repente isso era pouco. E cada vez foi se tornando menos. Em vez de me sentir bem por estar com uma mulher que não me cobrasse, eu me sentia traído. Eu, que ficava esperando quando ela não aparecia — sem nem ao menos avisar que não ia, pedir desculpas nem pensar, limitando-se a dizer não deu pra aparecer.
O pior é que, quanto menor sua presença física na minha vida, mais aquela mulher ocupava o meu pensamento. Não passava um dia em que eu não sonhasse com nós dois juntos. Ao mesmo tempo, eu tinha medo de assumir uma relação com alguém que me deixava tão inseguro. Eu queria ela, mas o certo é que não devia querer daquele jeito.
O engraçado é que, quando nós nos conhecemos, eu nem vi muita graça nela. Eu estava comprometido na época, ela também, e pra mim ela era apenas uma amiga interessada em mim — inteligente, simpática e atenta ao que eu pensava, mas apenas amiga. Não sei se foi o fim traumático do meu relacionamento, a baixa auto-estima ou a carência afetiva ou tudo isso junto que me fez baixar a guarda e quando eu vi já estava tão envolvido com ela que era tarde demais.
Eu até saía com outras mulheres, nos enormes intervalos entre um encontro e outro. Mas perto dela as outras, todas elas, eram medíocres — nem boas, nem más, apenas insuportavelmente medianas. Pra mim, durante algum tempo, ela foi a única diferente na minha vida.
E eu? Bem, eu era uma prioridade, ela dizia. Uma das mil na vida dela.
Remissão
Naquele dia fazia um azul tão límpido, meu Deus, que eu me sentia perdoado para sempre não sei de quê.
Mário Quintana
(peguei daqui)
~ sexta-feira, abril 26, 2002
O Beto agora também tem blog. Visitem.
Ei, bandas
O Leo Rivera, ex-produtor do Autoramas, tá participando da produção desse festival...
PRODUÇÃO SELECIONA GRUPOS NOVOS
Vai acontecer em uma fazenda na zona da mata (Minas Gerais, na divisa com o estado do Rio de Janeiro), um festival de rock reunindo bandas de todo país nos dias 31 de agosto e 01 de setembro. É o Green Rock Festival.
O evento irá apresentar bandas de renome nacional e grupos novos que serão selecionados por uma equipe da produção formada por jornalistas, críticos e artistas.
Além dos shows, o Green Rock terá em sua programação raves, exposições, workshops e um camping administrado pelo Camping Clube do Brasil.
Estamos convidando sua(s) banda(s) para enviar material (release, foto, CD/K7). Serão dois palcos onde estarão se apresentando 15 (quinze) grupos novos, dos quais 08 (oito) farão parte de um CD que será lançado após o festival.
A produção do Green Rock irá pagar despesas com hospedagem e alimentação, além de transportar os grupos da região sudeste até o local dos shows. Para as bandas de outros estados, a produção vai oferecer transporte até o local a partir de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Serão aceitos trabalhos autorais de rock’n’roll e suas vertentes (reggae, heavy, blues, hard rock, punk, hardcore, progressivo e eletrônico).
Envie seu material até 30 de maio para o Green Rock Festival.
Rio de Janeiro: Avenida Rio Branco, 185/1418, Centro, Rio de Janeiro, RJ, Cep 20040-007. Minas Gerais: Avenida Rio Branco, 2370/610, Centro, Juiz de Fora, MG, Cep 36016-310.
Maiores informações: (0xx21) 2610 8596 ou greenrockfestival@hotmail.com
~ quinta-feira, abril 25, 2002
Será que eu estou tanto no seu pensamento quanto você no meu? Que você também sente a minha falta? Que o teu coração bate mais rápido quando eu chego? Que eu te interrompo o sono?
Não precisa dizer nada. Só me beija.
Fui com a Ciça na Lapa pra uma reportagem e ela já fez um texto adiantando.
A saudade é o revés do parto
a saudade é arrumar o quarto
do filho que já morreu
Eu acho isso lindo. É um trecho de "Pedaço de mim", do Chico Buarque.
De quem, aliás, o meu ídolo da internet brasileira, o Rafael Capanema, também gosta. Você provavelmente conhece o finado Diário do pão com manteiga na chapa. Coisa de gênio.
~ segunda-feira, abril 22, 2002
Me mandou a caixa com fotos, cartas e cartões. A caixa que eu dei, os cartões e cartas que eu dei, as fotos em que aparece ao meu lado e uma mecha do meu cabelo. Como se quisesse jogar na cara todas as promessas de amor que eu tinha feito. Como se quisesse me cobrar todos os planos desfeitos. Como se não fosse verdade tudo o que eu te dizia sentir.
Eu soube que você disse que eu mudei. Que não gostava mais de mim porque eu não era sombra do que fui um dia. Mas quer saber? Eu continuo a mesma. Algum tempo se passou, muito aconteceu, mas eu sou aquela mesma que te escrevia cartas apaixonadas, te dedicava músicas e te dizia que você era o amor da vida. O amor acabou, mas não porque eu mudei. A vida tem dessas coisas, e pode ter certeza que não foi só você que sofreu.
Talvez você finalmente tenha me visto como eu sou, e não como você gostaria que eu fosse. Será que você não percebe que em cada carta não escrita, em cada presente dado, cada ato de romantismo negado, você queria que eu me transnformasse no seu sonho? Mas eu não podia. Eu sou humana, tenho inúmeros defeitos. Mas, acima de tudo, eu não sou você. E você devia entender isso.
~ domingo, abril 21, 2002
A gente se conhece há tanto tempo, e você não imagina como eu estou feliz agora. Quer dizer, espero que você esteja tão feliz quanto eu. Nossas vidas tomaram rumos mais que inesperados, a gente está hoje onde jamais imaginaria há um ano, cinco ou dez. E é bom saber que, mesmo com tantas idas e vindas, eu estava sempre ali, participando da sua vida, e você da minha.
Adoro as memórias que a gente compartilha. Lembra quando eu não sabia se ele me amava e a gente ficou ouvindo aquela música repetidamente e pulando? Depois eu soube que me amava, e ele foi o amor da minha vida naquela época, e depois deixou de ser, e muito se passou desde então. Você achou uma caixa antiga com cartas e cartões e disse que eu era o seu namorado perfeito. Quando você precisava de um beijo, eu te dei, mesmo que fosse um cartão com uma foto em preto-e-branco. E quando eu precisava de colo, você me deu, mesmo que tenha sido pra enxugar lágrimas.
Olha essas fotos antigas, como mudamos, você está mais bonita, e elas nos fazem lembrar tanta coisa, sonhos, planos, medos. O engraçado é ver como continuamos as mesmas em certas coisas. Como ainda temos paixão e ansiedade pela vida, cada minuto. Como ainda temos muito a dividir.
Risos na madrugada, ver a sua expressão e perceber que eu acertei no presente mais uma vez, um filme, garrafas vazias, mais sonhos compartilhados e eu volto pra casa (caminho que tantas vezes fizemos juntas) com o coração leve.
É muito bom amar e ser correspondida.
~ sexta-feira, abril 19, 2002
Cenas hollywoodianas
Que mal pode ter? Ah, só uma punhetinha. Gostosa. Não vou fazer nada que você não queira. Pára de ser boba. Uh, vem cá. Gostosa. Ah, deixa, vai. Se a gente tá se curtindo, qual o problema? Por que isso agora? Ninguém vai perceber. Uuuh, isso, assim, não pára. Uuuuh, você é demais, uh. Gostosa. Até parece que só é bom pra mim. Não pára, não pára. Gostosa. A gente vai foder a noite toda. Vocês mulheres são cheias de frescura. Ã? O quê? Camisinha? Pra quê? Ah, só hoje, sem... Ah, deixa, vai. Posso gozar dentro? Gostosa. Vou te comer todinha. Eu te amo.
~ quinta-feira, abril 18, 2002
– Eu estava pensando no seu pau. Ops, pai. Hahaha. Ato falo. Ops, falho. Ah, deu pra entender, né? Errr...
~ quarta-feira, abril 17, 2002
Felicidade
A praça, e de longe, mas não muito, o barulho das crianças. A gente caminha sobre as folhas amarelas e o sol já está sumindo, você não diz nada. Mãos dadas, pensamento longe. A calma que eu sempre quis. O banco, você se deita, e o meu cabelo caindo no seu rosto. Eu olho cada marca nele, como se você não estivesse aqui, as discretas sardas no nariz perfeito, a pouca barba, a sobrancelha grossa, cílios grandes por trás dos óculos. Os cachos no meu colo, a blusa branca tem uma mancha de sorvete.
Eu te olho e penso como é bom ter alguém assim. Alguém que surgiu tímido, mas sem pedir licença, e que foi entrando tão sorrateiramente na minha vida que quando eu me dei conta já era uma parte muito importante dela. Irremediavelmente. Eu te despenteio com carinho, como se o seu cabelo e você inteiros fossem meus, e neste momento são, porque você deixa eu fazer do jeito que eu quero. Eu olho com atenção. Você ri e pergunta o que foi e eu "nada".
Daqui a alguns anos, talvez a gente esteja junto, pensando em casar, ou casado, filhos, ou quem sabe outro país, planos, sucesso na profissão. Talvez estejamos sozinhos, talvez sofrendo separados, talvez aliviados. Talvez eu viva uma vida diferente da que a gente sonhou, e você também, talvez a gente se encontre e eu esteja acompanhada, e você também, e a gente se cumprimente superficialmente. Qualquer que seja o nosso futuro, é de momentos como este que eu vou lembrar.
Todos os cafajestes que conheci na minha vida eram uns anjos de pessoas.
Leila Diniz
~ terça-feira, abril 16, 2002
Esclarecimentos
Desculpa. Mais uma vez, me desculpa. Não é a primeira vez que você ouve isso de mim, eu sei. E eu tinha prometido, nunca mais, não é mesmo? Nunca é muito tempo, eu não devia. Você me perdoou e aqui estou eu, de novo. Quantos erros meus você ainda vai suportar? Quantas mancadas eu vou levar pra te perder?
É essa minha mania de estragar as coisas. Auto-sabotagem. Se estiver tudo bem, fica sem graça, eu sinto uma espécie de angústia difícil de explicar. Doentio? Não sei. Talvez. Você é tudo o que sempre quis e eu sei todas as fórmulas de fazer dar certo, mas mesmo assim continuo fazendo coisas desse tipo.
Eu sou a maior entre todos os covardes, faço isso com você por medo. A verdade é muito difícil, e eu não sei se agüentaria as lágrimas no seu rosto e as suas cobranças, e não gostaria de me sentir culpada. Por isso eu menti. Eu, que tanto odeio as mentiras. Eu menti porque não queria ter que te explicar. Eu menti pra fugir. Foi sem querer. E agora não quero ter que falar nada, você sabe, eu sei que você sabe, eu finjo que não sei que você sabe e espero que você finja de volta que não sabe de nada. Assim é mais fácil e, por favor, não insista. De complicada já basto eu.
Outra vez
Eu choro e você enxuga as minhas lágrimas. Você poderia falar eu te disse, como em todas as outras vezes em que eu estava errada e insisti em não te escutar, mas não diz nada. Você simplesmente me ouve, e respeita quando eu peço pra não perguntar mais nada. Eu amo isso em você. Esse carinho, o jeito de me proteger, o cuidado quase maternal. Eu também sou assim com você, e eu gosto de sentimentos e atitudes correspondidos. A mesma devoção, o mesmo comprometimento. Você muda de assunto como se nada tivesse acontecido e agora eu só posso sorrir por poder contar com você.
O seu colo é a melhor coisa agora e você faz com que eu me sinta especial e torna pequenas todas as coisas que me incomodam. Eu sou grande. Eu sou melhor. Por isso você está comigo, é o que você me diz. Eu esqueci de te ligar e você não reclama muito. Eu explico, e você me entende. E me ouve com atenção. Você se lembra sempre, ou quase sempre, e eu gosto que lembrem do que eu falo. Você ri. E me faz rir. E me distrai.
Por essas e outras é que eu sei que posso fazer tudo errado, posso te escutar e insistir no oposto, que você vai estar do meu lado quando eu precisar. E eu vou estar do seu. Sempre.
~ domingo, abril 14, 2002
Juntos
Os livros e os discos e outros gostos em comum impressionam, mas você sabe que isso pra mim não importa. A gente passa horas e horas conversando sobre todas essas coisas que gosta de ver e ouvir junto, e está sempre ensinando coisas novas um para o outro, mas o melhor não é isso. Gostos em comum eu posso ter com os meus amigos, e eu tenho, e você é também um deles. Mas é mais. A gente combina, e não tem nada a ver com isso tudo que eu falei.
O que nos faz combinar são coisas muito mais importantes, intensas e bonitas do que gosto musical, ou literário, ou o que seja. É algo muito mais fundamental. É achar, por alguns momentos, que existe alguém que te entende mesmo quando você não está falando. Quando você simplesmente olha pra pessoa e sorri, ou não sorri, ou nem mesmo olha, e ela te entende, ela está verdadeiramente com você. Intensamente. Assim somos nós dois, simplesmente nós dois, e o silêncio, o momento em que mais compreendemos um ao outro. É quando eu não me sinto sozinha.
São muitas as pressões em cima de um casal. É difícil abstrair da carga que o mundo joga em cima. Quando você escolhe ficar com alguém, tem que abrir mão de muitas coisas. E, quando não abre, fica com medo de magoar o outro (e muitas vezes magoa), sente culpa... E não adianta tentar racionalizar, "eu não fiz nada de errado". É algo que tá muito entranhado na gente. De uma forma que eu não sei se é possível se livrar.
Por isso que, por mais que a gente se ame, a convivência é complicada. E a gente sempre conseguiu. Por muito tempo, a gente conseguiu. Sempre teve quem dissesse que nós dois não tínhamos nada a ver. Mas algumas pessoas percebiam como era rara a ligação que existia entre a gente. Percebiam como a gente combinava.
E o que faz combinar é exatamente o que dói quando você perde.
Comprei três cds do Jorge Ben e essa aí é a minha música do momento. Ela é do disco Força bruta, de 1970, também o disco do momento. Se algum dia alguém de quem eu gostar cantar ela pra mim, saiba que vai ser pedido em casamento NA HORA.
Depois não pode dizer que eu não avisei.
Oba, lá vem ela
(Jorge Ben)
Oba, lá vem ela
Estou de olho nela
Oba, lá vem ela
Estou de olho nela
Não me importo
que ela não me olhe
não diga nada
e não saiba que eu existo, quem eu sou
pois eu sei muito bem quem ela é
e fico contente só de ver ela passar
Oba, lá vem ela
Estou de olho nela
Oba, lá vem ela
Estou de olho nela
A noite é linda
e ela mais ainda
todinha de rosa
mais linda, mais meiga
que uma rosa
Oba, lá vem ela
Estou de olho nela
Oba, lá vem ela
Estou de olho nela
Não me importa
que pensem, que falem
Pois sem saber
Ela é minha alegria
Ela tem o pefume de uma flor
que eu não sei o nome
mas ela deve ter o nome
bonito igual a ela
Oba oba oba oba oba
Oba, lá vem ela
Estou de olho nela
Oba, lá vem ela
Estou de olho nela
~ sábado, abril 13, 2002
Fim de noite
Ela viajou alguns quilômetros e está triste porque ele ficou. E ficou longe dela, antes mesmo dela vir. Não fica assim, todos dizem, ninguém merece a sua tristeza. Mas não adianta. Ela está entre os amigos que não vê há tempos, mas não consegue ficar feliz. Por causa dele, lá longe. E dela. Claro, sempre tem uma outra. Senão seria muito fácil.
Ela se entrega demais. Agora como se fosse nunca mais. Sente na carne. Dias sem comer, não só por falta de vontade, mas por não conseguir. Eu tento fazer uma piada — e eu sou péssima com piadas — mas ela ri, porque a história é verdadeira e essas são as melhores piadas que eu conto. São várias as histórias — a vida pode ser tragicômica pra alguns. Conta aquela coisa engraçada pra eu rir, canta a voz doce e melancólica.
Mas ela não vai rir por muito tempo. Nem eu.
~ quinta-feira, abril 11, 2002
Uma das melhores coisas de publicar na internet é o contato com quem lê, a troca. É muito bom receber elogios pelo que eu escrevo, ainda mais quando é de alguém que eu admiro.
Dia desses eu recebi um email inesperado: era do Beto Cupertino, vocalista do Violins and Oldbooks, uma banda que eu assisti ano passado no Goiânia Noise e que fez um dos melhores shows do festival. Ele disse que tinha lido o blog e gostado. E me mandou uns textos.
Eu já sabia que ele escrevia bem — as letras da banda são dele, e eu tenho o EP deles —, mas dessa vez os textos eram em português, e igualmente lindos. Tipo esse aí embaixo.
Resolvi publicar porque ele não publica em lugar nenhum, e esse é tipo de texto que merece ser dividido. Espero que ele não se importe. Qualquer coisa, eu deleto esse post...
A lágrima é minha voz e diz aquilo que eu não sou mais capaz de dizer. E eu sei que há o sol e o céu azul, que há o amor, em algum lugar, mas já não os procuro de teimosia e cansaço. E eu andei arrastando meu corpo por onde eu pudesse sentir algo, algum cheiro, alguma lembrança que me fizesse sentir ainda seu menino. E o rastro de sangue que deixei não tem cor, é inconcebível, tem a força triste de um grito ignorado, tem a alegria contida de um menino pobre frente ao parque de diversões. Tem a habilidade do cego. Tem a saudade de ser o que não fui capaz de ser quando era a felicidade que pedia.
Mas já não reclamo, acordo sorrindo, pois o que tive e o que ainda quero ter me visita em meus sonhos. E quando me deito, já não rezo, temendo sonhar com deus e não com ela. Em verdade, minha vida diurna é como se fosse um sono, uma espera tediosa. Quando é hora de me deitar, eu tomo banho, penteio o cabelo do jeito que ela gosta, faço a barba, e então me deito feliz, e espero que o sono me beije a consciência e me traga minha menina, do jeito que eu a imagino, flutuando no espaço perfumado que é meu coração, lugar onde agora eu também estou e vivo, e respiro, e a encontro. E a gente dança, às vezes. E a gente ri, às vezes. A gente é como a gente sempre foi e deveria ter sido.
~ quarta-feira, abril 10, 2002
Eu tenho medo de acordar. Porque nos sonhos as coisas acontecem e aqui eu só espero. Fico paralisada. De tanto pensar, eu não faço nada. A minha vida é o lugar do não-dito e do não-feito. Pouca ação e muita reflexão, o tempo todo. Talvez por isso os sonhos sejam tão fortes. Neles eu sinto dor e alegria. E aqui eu fico no limbo dos covardes, dos que pensam mil vezes antes de cada passo e quase não andam.
Eu acho que é tudo culpa do medo, no fim. Ele determina a minha não-ação. Eu tenho medo de errar. De magoar. E de ser magoada. Os mais corajosos não são os que nada temem, mas os que vão em frente, mesmo com medo. E eu não vou em frente. Nem recuo. Eu fico na corda-bamba. Espero o vento decidir se me empurra ou se me deixa ficar ali.
Você me diz que faria tudo diferente, que no meu lugar iria até o fim, recolheria as migalhas. Você entende que eu não quero as migalhas. Mas o que eu quero? Também não sei. Eu quase nunca sei. Acho que tenho medo de saber. Tenho medo de querer e não conseguir. Eu tenho medo.
~ terça-feira, abril 09, 2002
Se da primeira vez não deu certo, tente de novo, de novo e de novo, então desista, não há necessidade de fazer papel de bobo.
W.C. Fields
Ainda
Nós ficávamos horas e horas sem fazer nada. Simplesmente deitávamos e ríamos. Uma amiga disse que acha muito legal o jeito como éramos e ainda somos francos um com um outro. Eu te desconcertava o tempo todo, e você gostava tanto disso em mim que passou a ser assim também. Nós mudamos juntos, e o melhor é que nunca tentamos mudar um ao outro. Mudamos porque queríamos, porque já era inevitável ser indiferente ao que estávamos vivendo.
E a gente se encontrou, e mais uma vez riu junto. Parecia como antes. E não era mais. Só que isso permaneceu. Como se nada tivesse acontecido nesse meio tempo, como se ainda fosse ontem, como se a gente fosse o que era antes. Eu ri só de visualizar a história que você me contou, imaginei você, criança, que me pedia colo, falando como falava comigo.
Ali eu tive certeza de que nunca mais vou te perder. Nunca.
Pesadelo
Essa noite eu sonhei que você morria. Você tinha ido a uma casa abandonada com uns amigos e ficava desaparecido por uns dias. A sua mãe ficava preocupada e ia te procurar. Eu não tinha coragem.
Mas aí tinha uma espécie de TV transimitindo o que tava dentro da casa (sinal dos tempos?). E eu começava a ouvir o choro e o lamento baixinho da sua mãe. E, você sabe, a TV tem uma coisa irresístivel que atrai a nossa atenção pra ela quando tá ligada, qualquer que seja o ambiente. E também o ser humano tem algo de mórbido, eu acho. E foi por isso tudo que eu olhei, e te vi morto. Imóvel, como se estivesse dormindo, mas não com aquela calma de criança que você tem quando dorme.
Então eu comecei a chorar. E doía, você não faz idéia de como doía. Não sei se eu te falei, acho que não, mas os meus sonhos em geral são muito reais. Quando sofro, é de verdade. É como se eu vivesse duas vidas, essa aqui e a do sonhos, e muitas vezes é difícil separar uma da outra. Fica difícil saber o que eu fiz exatamente.
Estavam fazendo a sua máscara mortuária (eu li uma matéria sobre isso esses dias) e a sua mãe dizia meu filho, tão lindo, morreu tão lindo, parece que está dormindo. Um espetáculo horrível. Por isso, quando eu acordei, me deparei mais uma vez com a sensação de alívio por ter sido tudo um sonho. E pensei sobre quantas coisas não ditas nem feitas eu iria ter de carregar se você morresse agora.
~ domingo, abril 07, 2002
Tic-tac
Quanto tempo você ainda pode esperar? Quantas barreiras você espera eu vencer? Quantas doses de vodca barata? Quantos olhares de incerteza? Quanta insegurança?
Até quando você vai agüentar esse meu medo de ser feliz?
Tantas confusões pensamentos possibilidades conselhos dúvidas mistério cansaço certezas medo enganos histórias pesadelos hipóteses idéias contradições imaginação planos desânimo ombros amigos mentiras novela coincidências exageros enganos espera
Podia ser um pouquinho menos complicado?
Não, não podia. Se fosse fácil não era eu.
~ sexta-feira, abril 05, 2002
E se eu não disser mais nada?
E se eu não fizer mais nada?
E se eu só souber esperar?
Vocês conhecem Casino?
É o novo nome do 4-Track Valsa, banda bastante conhecida no mundinho do roque alternativo (ou indie, como preferem alguns). Mas rótulos não interessam. Porque o som do Casino é muito mais que isso, a banda tem influências não só de roque e bossanova, como dizem por aí, mas do que a MPB tem de melhor.
Ano passado, eles mudaram de nome e entrou um percussionista na banda, o que acrescentou muito aos shows. Foram um dos destaques entre as bandas independentes, e merecidamente, porque as músicas novas (a serem lançadas num aguardado EP pelo do selo Midsummer Madness) são simplesmente maravilhosas. A voz da Cecília é linda, as letras são absurdamente sensíveis e inspiradas e a banda toda é muito boa.
Aliás, o Casino é Cecília (voz e guitarra), Chris (guitarra teclado e sampler), Maria de Fátima (guitarra), Júlio (baixo), Júnior (bateria) e Ricardo (percussão). Baixem a música que está disponível em mp3 e fiquem torcendo por mais shows esse ano. Ah, também vale comprar tudo da discografia do 4 Track (duas demos e um 7") e cobrar do Lariu o lançamento do EP.
"Minha filha vai ser vagabunda ou mulher de bandido. Não tem como fugir." – Mãe favelada do Morro de São Carlos
A frase acima tava na capa do Jornal do Brasil de ontem e me deprimiu bastante. Nos últimos dias, aconteceram vários conflitos entre traficantes (com intervenção da polícia) que deixaram a classe média apavorada (nós aqui em casa inclusive, quando aconteceram as tentativas de invasão em morros da Tijuca). Se a gente ficou com medo, imagina quem mora nas favelas e convive de perto com esse tipo de coisa?
Eu sou ingênua, tudo bem, mas como viver sem se espantar? A vida não está fácil pra muitas pessoas que eu conheço (olha eu aqui, desempregada), mas pelo menos a gente ainda espera alguma coisa do futuro. E essas pessoas, que vivem sem esperança? Que caminham pro abismo resignadas? Será que a gente pode fazer alguma coisa por elas? Eu gostaria de saber. E por isso não consigo dormir tranqüila à noite.
~ quarta-feira, abril 03, 2002
Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim
a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido.
Clarice Lispector, "Perdoando Deus", in Felicidade clandestina, ed. Rocco, Rio de Janeiro, 1998.
~ terça-feira, abril 02, 2002
Observação antropológica:
Se agarram, rolam pelo chão abraçados, se beijam com fervor...
Se não foi gol, é amor.
O Verissimo é ótimo.
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