Na falta de palavras bonitas, reproduzo as dos outros. Esse poema é cortesia de meu amigo Leelesd, do tempo em que ele costumava me mandar presentes por email.
UMA ESPÉCIE DE PERDA
(Ingeborg Bachmann)
Coisas que usamos a dois: as estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto de pão, lençóis de linhos e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos, fizemos. Estendemos a mão.
Apaixonei-me por invernos, por um septeto vienense e por verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada
(o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi.
Perdi o mundo.