~ sexta-feira, fevereiro 28, 2003
No dia 28 de fevereiro de 1922, nasceu Paulo Mendes Campos, um dos meus cronistas preferidos. O texto abaixo está no recém-lançado O amor acaba: crônicas líricas e existenciais (e o JP já colou no Orlando Orfei um tempo atrás):
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
Se são amantes e têm uma música ou mais que os fazem lembrar um do outro, se bebem vinho juntos e ficam de bar em bar até que não haja mais um aberto ou o dia esteja claro, se alguma vez andaram pela contramão na Lagoa e se assustaram mas depois riram, e se costumam fazer piada de tudo, até do que os separa, se às vezes ficam tímidos, se às vezes não perdem tempo, se gostam de falar ao telefone ou trocar emails apaixonados ou engraçadinhos, se ele gosta de sonhar e ela tenta ser realista mas no fundo são duas crianças, se conversam por horas e horas mas também poderiam não trocar uma palavra que fosse por horas, se tentam fazer o que acham certo e não conseguem, se tentam falar sempre a verdade, se ela quis segurar o choro e quase não conseguiu, se ele às vezes age como se o resto do mundo não existisse, se são tantas as pequenas bobagens só deles que ninguém sabe e que provocam sorrisos cúmplices, se ele tem calma e ela tem pressa, se ele não sabe o que quer e ela queria não querer, se pensam em estar perto um do outro do jeito que der, se temem um dia não serem mais que conhecidos, "oi, tudo bem?", se querem se entender mas o desencontro parece inevitável, se no início era fácil mas foram perdendo o controle sem se dar muito conta pelo caminho, se ele quis acordar ao lado dela mas não pôde, se às vezes pensam que são tantas as coisas que faltam fazer juntos, se quando se abraçam parece que vai ficar tudo bem, se ela gosta de deitar no colo dele enquanto ele mexe no cabelo dela, e se ele prefere que ela não corte o cabelo, e ela gostaria também se ele deixasse o dele crescer, se não são de chorar mas já choraram um pelo outro, se às vezes parece que voltaram à estaca zero, se ela gosta do sorriso dele e ele do jeito dela, se ela é a melhor amiga que ele já teve, só de olhar não se pode dizer. Talvez sejam duas almas solitárias se apoiando uma outra, ou talvez realmente estejam unidos por um encontro único. Mas, afinal, o que faz de duas pessoas um casal?
~ segunda-feira, fevereiro 24, 2003
Euteamoidsch = Eu Te Amo Blog + Moidsch
~ quinta-feira, fevereiro 20, 2003
Não devia
– Eu sempre fugi das responsabilidades, ele me disse. – Você acha que eu ligo?
Claro que ligava. Se não ligasse, não teria um ar sério, tenso, impedindo o sorriso que eu tanto adoro.
– Eu também já fugi de várias, comentei. Acho que são uma grande perda de tempo...
Quisera eu poder fugir assim tão facilmente. As escolhas (ou negilgências, que na verdade são um tipo de escolha) têm seu preço.
– É, são, ele suspirou.
– A vida não devia ser assim.
– É, não devia.
Não faças de ti um sonho a realizar. Vai.
(Cecília Meireles)
~ terça-feira, fevereiro 18, 2003
Nos últimos dias você tem me aparecido em sonho. Não sei se é bom ou ruim, mas dizem que significa alguma coisa – desejos ou medos, ou os dois.
O dessa noite foi estranho: você me ligava quando deveria ligar para outra. Eu te alertava e você simplesmente concordava, como se não fosse nada, como se esse engano fosse a coisa mais normal do mundo.
O mais estranho era encontrar com ela depois e ela ter medo de mim. Um medo não-declarado, mas que pairava no ar. Eu disfarçava, fingia não saber quem ela era nem estar à procura de você.
Mas por que ela deveria temer logo a mim? Não deveria ser o contrário? Porque quando ela pôs as mãos em você, eu gritei pra ela sair, mas apenas em pensamento. Eu não podia fazer nada: ela apenas cuidava do que era dela. E isso não era um sonho.
~ domingo, fevereiro 16, 2003
Antes de ir embora, ele me perguntou: mas afinal, o que você quer? Eu, que chego a ficar horas com fome por não decidir o que vou comer, só pude dizer, enquanto ainda conseguia conter as lágrimas: não sei.
Mas se ele quisesse realmente saber a verdade, eu teria respondido: posso querer também as coisas impossíveis?
Ele ficaria sem graça, e abaixaria a cabeça, e eu ainda diria: por favor, não me acene com os seus sonhos. Eu posso acreditar.
~ sexta-feira, fevereiro 14, 2003
Uma arte
(Elizabeth Bishop)
A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.
Perca algo a cada dia. Aceite o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.
Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.
Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.
Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.
– Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda – escreva tudo! – lembre desastre.
Peguei do blog da Thiely.
~ quinta-feira, fevereiro 13, 2003
do you do you like dreaming of things
so impossible or only the practical?
Dashboard Confessional, "So impossible"
~ domingo, fevereiro 09, 2003
Que coisa linda esse post do Silvio.
:~~
~ sábado, fevereiro 08, 2003
Do amor
Enquanto voltávamos pra casa, percebi que os seus olhos pesavam. Encostei sua cabeça no meu ombro e, embora também estivesse morrendo de sono, permaneci acordada pra não passarmos do ponto onde deveríamos descer. Eu quis te acordar pra mostrar como são bonitas algumas luzes da cidade durante a noite, mas tantas ainda serão as noites em que vamos voltar juntos pra casa – eu acredito – que seria um pecado interromper seu sono. E se eu tivesse que escolher entre as luzes e você, a cidade e você, eu escolheria te olhar, e foi o que fiz, porque poucas imagens são tão belas quanto a do ser amado dormindo. É como se você dissesse eu confio totalmente em você, eu sei que do seu lado vou estar sempre a salvo, e isso é tão bonito que quando eu penso me faz sorrir sozinha. Você dorme ao meu lado e me faz pensar sobre se entregar. É de coisas assim que se trata o amor.
~ quinta-feira, fevereiro 06, 2003
Escrevo cartas que você nunca vai ler. Comecei meio que por acaso: certa vez nós brigamos e contei a um amigo, que me sugeriu escrever. Assim eu me acalmaria e ainda riria de tudo depois que as coisas voltassem ao normal. O fato é que nunca voltaram. Ou talvez estarmos separados é que fosse o normal. Mas as cartas nunca pararam – ou melhor, eu não parei com elas. Escrevo-as e deixo perdidas entre os papéis espalhados pela bagunça que é a minha casa. Normalmente são feias, feitas num papel qualquer, com letra preguiçosa, cheias de rasuras: são rascunhos, afinal.
É engraçado que não se esgotem. Talvez sejam repetitivas, não sei. Falam de sentimentos que tentei demonstrar tantas vezes, de mágoas, de pequenas e grandes lembranças, da falta que faz nós dois juntos. Não me fazem rir e não tenho mais do que me acalmar. Por que ainda as escrevo? Acreditaria eu, secretamente, que chegaria o dia de entregá-las, todas, a você? Sonharia com o dia do reencontro, o dia em que eu finalmente descobriria que o normal não era estarmos separados? Será possível que eu ainda espere que minhas noites de insônia não sejam mais solitárias, mas povoadas pela visão do seu sono tranqüilo?
Você pode não acreditar, mas não tenho essas respostas. Pelo menos não ainda. Sigo tentando não pensar muito, ou pelo menos equilibrar o que penso e o que sinto (mas não sei se consigo). Enquanto isso, escrevo. Apesar disso, escrevo. É minha única certeza. Sempre.
O pior das coisas difíceis
é sabê-las possíveis
– o que eu tive um dia
ficou suspenso no ar.
Não diz nada:
não adiantaria.
Só preciso saber
o que quero.
O resto já não importa. Vai passar.
Lindo o banner que a Letícia fez:
~ quarta-feira, fevereiro 05, 2003
O que eu queria é que fosse mais fácil – de entender, de viver. Que não fosse eternamente mal-resolvido, isso que é esquisito mas ao mesmo tempo não conseguimos cortar. Até quando vai ser assim?
É ruim tudo o que eu não divido com você. Não sei bem o que passa aqui dentro, não sei exatamente o que sinto. Acho que nem você. Pelo menos é o que parece. E assim seguimos, nem juntos, nem afastados.
Não consegui te dizer certas coisas, nem sei se deveria. De qualquer forma, o embargo na garganta me impediu. Porque disso também você não sabe, mas só você ainda me faz chorar.
~ terça-feira, fevereiro 04, 2003
Fotos lindas aqui e aqui – e, segundo o Claudio, todas feitas com uma câmera digital pequenininha.
~ domingo, fevereiro 02, 2003
And I've lost my place again
I know this is so rare
But I'll try my luck with you
This life is on my side
Oh I am your one
Believe me, this is a chance
Oh, oh
(Strokes, "Trying your luck")
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