~ quinta-feira, janeiro 30, 2003
O minuto depois
Nudez, último véu da alma
que ainda assim prossegue absconsa.
A linguagem fértil do corpo
não a detecta nem decifra.
Mais além da pele, dos músculos,
dos nervos, do sangue, dos ossos,
recusa o íntimo contato,
o casamento floral, o abraço
divinizante da matéria
inebriada para sempre
pela sublime conjunção,
Ai de nós, mendigos famintos:
Pressentimos só as migalhas
desse banquete além das nuvens
contingentes de nossa carne.
E por isso a volúpia é triste
um minuto depois do êxtase.
(Carlos Drummond de Andrade)
Quando ele se despediu, eu não quis olhar pra trás. Eu tive medo, não dele não estar mais – e ele ainda estava – mas porque já não era meu. Ou talvez nunca tivesse sido.
~ quarta-feira, janeiro 29, 2003
Não é só a distância: pior é a insegurança, os segredos que não te contei. Pensei em você hoje: você não vai saber. Nem essas palavras você vai saber que são tuas (se é que vai ler).
Às vezes eu queria não ter medo de demonstrar. Às vezes eu queria ter você perto de mim. Às vezes eu queria você. Mas isso você também não vai saber.
Daniel, que está fazendo monografia sobre blogs, por favor escreve de novo. Te mandei um email e ele voltou.
Love is the sadest thing when it goes away
"Once I loved", Astrud Gilberto
~ terça-feira, janeiro 28, 2003
Não se preocupe:
eu já não sei como é chorar
(de vez em quando ainda dói,
mas isso você não pode ver).
(Euteamoidsch = parceria minha com o querido Moidsch)
Todo mundo
onde eu não estou
me parece perfeito.
Nós poderíamos continuar por horas e horas
e ainda assim eu teria muito o que falar,
ainda assim eu teria muito o que ouvir,
ainda assim eu teria muito o que fazer,
ainda assim eu teria muito.
~ sábado, janeiro 25, 2003
Os caminhos da terra eram ampliados pela dor que nos possuía,
Conquistávamos o mundo e o perdíamos num sorriso sem segredo,
Avançávamos no tempo e o tempo nos acolhia distribuindo seus frutos,
Amargos ou doces, escorrendo uma experiência para sempre.
Hélio Pellegrino, "Carta-poema", in Cartas na mesa
~ sexta-feira, janeiro 24, 2003
Desencontro
Eu e você lembramos daquele mesmo episódio engraçado nosso na mesma semana: mais uma coincidência. Às vezes parece que essa ligação nunca vai acabar, como se tivesse ficado alguma coisa esperando continuar sabe-se lá quando. Olhando de fora, talvez eu pudesse achar meio doentio. Talvez eu tivesse pena de nós dois. Mas não tenho, porque pra mim tem muito mais poesia do que dor. O que era só nosso continua existindo mesmo com a separação, faz parte das nossas vidas que agora andam separadas.
Não quero te esquecer totalmente nem vou, porque eu já não sou a que te conheceu, sou a que passou tanto com você, e é por isso que hoje vejo um
pouco de você em mim e um pouco de mim em você (pensei nas músicas que você gostava e agora eu ouço, e em você, quem diria, que anda ouvindo Chico Buarque).
A gente podia até lembrar tantos outros casais em algumas coisas, mas era muito mais legal. A gente era o casal mais legal do mundo. Você sabe. E é por isso que também não esquece. É por isso que te dói e faz sorrir também.
~ quinta-feira, janeiro 23, 2003
Me impressiona como age o tempo. A dor que você agora sente, essa dor que é quase física ou física mesmo, um dia não vai ser sombra do que é. Talvez demore muito, talvez muito menos do que você imagina: o certo é que ela vai se desfazer com o passar do tempo. E você vai se espantar em como um dia sofreu por isso, e talvez chegue o dia em que você duvide que realmente sofreu.
E não só a dor, mas todos os momentos e sentimentos. Como o que foi tão intenso pode simplesmente se perder e sumir? Me assusta a idéia de um dia não sermos mais que conhecidos que, ao se encontrar por acaso, mal vão se cumprimentar, se tanto. O que era forte não passando de vestígios, lembranças pouco nítidas, memórias que se confundem - já não se sabe o que o que aconteceu ou não. Éter.
Eu gostaria de acreditar que tudo o que é vivido, sentido, desejado, tudo é que é dito ou não, vai para algum lugar. Assim eu poderia guardar o que sentimos um pelo outro. Assim não nos perderíamos na memória. E só assim poderíamos viver tudo o que desejamos.
~ terça-feira, janeiro 21, 2003
Eu não costumo ouvir rádio, mas a Ju me disse pra ligar correndo na Fluminense FM, e tava tocando "If I Can't Change Your Mind", que eu amo, em versão acústica. Adoro o Bob Mould, adoro o Husker Du, adoro o Sugar (e essa é minha música preferida do cd, Copper Blue).
:~~
If I Can't Change Your Mind
(Sugar)
Tears fill up my eyes
I'm washed away with sorrow
And somewhere in my mind
I know there's no tomorrow
I see you're leaving soon
I guess you've had your fill
But if I can't change your mind
Then no one will
And all throughout the years
I've never strayed from you my dear
But you suspect I'm somewhere else
You're feeling sorry for yourself
Leaving with a broken heart
I love you even still
But if I can't change your mind
Then no one will
Even though my heart keeps breaking
Don't you know that I'll be waiting
Here for you
Then when you return
When will you return
I hope you see I'm dedicated
Look how long that I have waited
If you come back then you will find
A different person
If you change your mind
How can I explain away
Something that I haven't done
And if you can't trust me now
You'll never trust in anyone
With all the crazy doubts you've got
I love you even still
But if I can't change your mind
Then no one will
Someday you'll see I've been true
I'll stay that way until
But if I can't change your mind
Then no one will
Nobody knows it but you've got a secret smile
And you use it only for me
(Semisonic, "Secret smile")
~ domingo, janeiro 19, 2003
Enquanto você fala
sobre o que é certo,
eu vivo
o que é inevitável.
~ sábado, janeiro 18, 2003
Enquanto eles me diziam desiste, eu simplesmente seguia, sem olhar pros lados ou pra trás: apenas seguia. Não gostava muito de pensar nas dificuldades, e provavelmente pensar me deixaria triste, e eu não conseguiria ter paz. Então ia frente.
Talvez eles pensassem que eu continuava por ser cabeça-dura, e também muito forte. O que eles não sabiam é que eu seguia porque não conseguiria fazer diferente.
~ sexta-feira, janeiro 17, 2003
Um poema lindíssimo que um amigo me mandou há tempos:
AGRADECIMENTOS
Estou em dívida com aqueles
por quem não estou apaixonada.
Devo a eles o alívio de saber
que de outros eles estão mais próximos.
A alegria de não ser
o lobo de seus cordeiros.
A paz vem junto deles, e a liberdade
também, coisas que o amor não sabe dar
ou sustentar por muito tempo.
Eu não os aguardo
correndo da porta para a janela.
Sou paciente como um quadrante solar,
pronta a compreender
aquilo que o amor não compreende,
pronta a perdoar
aquilo que o amor não perdoaria jamais.
De uma carta a um encontro
não se instala uma eternidade,
mas apenas alguns dias comuns, semanas comuns.
Com eles as viagens são bem sucedidas,
os concertos bem escutados,
as catedrais bem visitadas,
as paisagens bem observadas.
E quando terras e oceanos nos separam,
trata-se de oceanos e de terras
bem conhecidos pela geografia.
A estas pessoas devo o fato de viver
num mundo sólido,
num espaço não-lírico e não retórico
dotado de um horizonte real, móvel, como tem que ser.
Ah! eles ignoram com certeza
quantas coisas me trazem em suas mãos vazias.
("Eu não devo nada a essas pessoas"
diria o amor
a esse respeito.)
(Wislawa Szymborska)
~ quinta-feira, janeiro 16, 2003
Enquanto voltava pra casa, já bem tarde, quase cedo, eu observava alguns casais. Lembrei dos dois que vi certa vez num bar na Lapa, bêbados, ambos beirando os cinqüenta anos. A música do baile próximo invadia o lugar, e ela, lânguida, sussurava no ouvido dele os versos do funk pornográfico, enquanto ele sorria pensando que, definitivamente, a noite ia ser boa.
Quer dizer, essa foi a minha interpretação. Eu olho casais e invento histórias para cada um deles. Penso se estão felizes, se brigaram, se estão juntos há muito ou pouco tempo, se têm mágoas incuráveis, se combinam perfeitamente, se mal se agüentam ou se são cúmplices e amam-se loucamente. Eu imagino pra eles tudo aquilo que nós nunca vamos poder viver.
(mais um momento Euteamoidsch = Eu te amo + Moidsch)
~ quarta-feira, janeiro 15, 2003
Estou escrevendo porque não me seria possível deixar de fazê-lo. Este trabalho íntimo e verdadeiro.
Antônio Maria
(vale dar uma olhada aqui)
Anti-galã
Quando abri os olhos, percebi que ele chamava meu nome baixinho. Era cedo, ainda mais levando-se em conta o uísque e tudo o mais da véspera. Tenho que ir pra casa, ele disse. Enquanto ele ia ao banheiro, fiquei esperando sentada na cama. Quando voltou, sorriu surpreso ao ver que eu o esperava acordada. Não me custava muito; aliás, quase nada. Tínhamos passado a noite e parte do dia juntos, ficar acordada até ele ir, pra mim, era o mínimo. Que mundo estranho é esse em que vivemos que as pessoas se espantam com tão pouco, eu pensei.
Ele me abraçou mais uma vez, como tinha sido durante todo o nosso sono, e foi. Enquanto esperava no corredor, me olhou com carinho, voltou até a porta e me deu um beijo apaixonado. O elevador chegou, ele me olhou mais uma vez lascivamente, e seria essa uma cena clichê de Hollywood se ele não tivesse tropeçado antes de entrar. Eu ainda pude ver seu rosto, meio sem graça, enquanto a porta se fechava, e naquele exato momento eu sorri, com a certeza de quem tinha escolhido o cara certo.
Pode dizer que não me ama mais:
com essa voz hesitante
e o coração disparado
(eu sei)
nem você acredita.
(mais um post Euteamoidsch – parceria Eu Te Amo Blog + Moidsch
~ segunda-feira, janeiro 13, 2003
Já não me importa perder
o sono,
o medo,
a culpa,
a noção,
os sentidos:
de todas as coisas erradas
é você a minha preferida.
Muito chique o meu amigo que saiu no Dia de ontem.
~ quinta-feira, janeiro 09, 2003
Terror de te amar
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa
Sophia de Mello Breyner Andresen
Roubei desse blog.
Tem mais da Sophia aqui.
~ quarta-feira, janeiro 08, 2003
Para sempre
– Eu vou te amar para sempre.
A frase ecoou pelo meu pensamento. À nossa volta, pessoas debruçadas para ver os fogos, taças se esbarrando, abraços e beijos sob o céu de Copacabana, bons pensamentos para o próximo ano, momentos que um dia vão se confundir nas lembranças de cada um. Aconteça o que acontecer, ele me disse, olhos nos olhos. Desviei o olhar instintivamente, com a timidez e o pudor de quem acredita na importância de palavras e olhares. Mais do que os seus braços envolvendo com firmeza a minha cintura, mais do que a língua que insistia em invadir a minha boca, sem entanto sofrer muita resistência – e eu nem tentaria culpar o álcool, porque ele nada mais faz do que desnudar desejos que tentamos esconder –, mais do que a respiração arfante que eu percebia no meu ouvido e o corpo inteiro, aquele olhar me incomodava de um jeito que eu não poderia descrever.
Lembrei de alguns anos-novos atrás. Exatamente as mesmas palavras. Olhos nos olhos, o beijo entre afetuoso e lascivo, o abraço de corpo inteiro. Talvez só não estívessemos tão embriagados. E a história, certamente, era muito diferente: era a história de uma vida inteira. Daquela vez, eu não tive pudor em olhar. E pude dizer, contendo as lágrimas, enquanto a chuva insistia em cair: eu também.
Por isso agora relutava em receber aquelas palavras ditas daquele jeito. De lá para cá, algumas histórias, muitas palavras, algumas fortes, outras nem tanto, todas perdidas no tempo. Eu cheguei a acreditar que palavras significassem muito pouco ou nada, por isso duvidei daquele momento, por isso relutei em receber aquele olhar. Mas acho que finalmente compreendi o "para sempre" como deve ser. E agora acredito que, quando ele disse que iria me amar para sempre, olhando fixamente nos meus olhos, estava falando a verdade. Naquele momento, o amor dele era infinito. Como todos os amores um dia foram e serão.
Claro:
Sweet, romantic, dreamy. You are...
Just like heaven
"Show me how you do that trick The one that makes me scream" she said "The one that makes me laugh" she said And threw her arms around my neck "Show me how you do it and I promise you I promise that I'll run away with you I'll run away with you"
Spinning on that dizzy edge I kissed her face and kissed her head And dreamed of all the different ways I had To make her glow "Why are you so far away?" she said "Why won't you ever know that I'm in love with you? That I'm in love with you?"
You Soft and only You Lost and lonely You Strange as angels Dancing in the deepest oceans Twisting in the water You're just like a dream...
Daylight licked me into shape I must have been asleep for days And moving lips to breathe her name I opened up my eyes And found myself alone Alone Alone above a raging sea That stole the only girl I loved And drowned her deep inside of me
You Soft and only You Lost and lonely You Just like heaven
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Which Cure song are you? Test by Ligeia
Roubei do Moidsch, claro.
~ segunda-feira, janeiro 06, 2003
Tristesse
(Telo Borges/Milton Nascimento)
Como você pode pedir
Pra eu falar do nosso amor
Que foi tão forte e ainda é
Mas cada um se foi
Quanta saudade brilha em mim
Se cada sonho é seu
Virou história em sua vida
Mas pra mim não morreu
Lembra, lembra, lembra, cada instante que passou
De cada perigo, da audácia do temor
Que sobrevivemos que cobrimos de emoção
Volta a pensar então
Sinto, penso, espero, fico tenso toda vez
Que nos encontramos, nos olhamos sem viver
Pára de fingir que não sou parte do seu mundo
Volta a pensar, então
Como você pode pedir...
***
Com Milton e Maria Rita Mariano, filha da Elis, ficou linda... O Fernando que me passou.
Às vezes eu acho que ponho letras demais aqui no blog, mas essa tem tudo a ver... E espero que inspire as pessoas a baixar a música também.
~ domingo, janeiro 05, 2003
Na cama
os restos mortais
da noite anterior
Na mesa também:
os copos usados,
cinzas de cigarro,
cds fora da caixa
Pelo meu pensamento
cenas de ontem e de antes
e de muito antes
Por toda a casa
esse vazio
quase sufocando.
years from now
maybe outside a movie
you'll be with somebody new
i'll be with somebody too
and we'll just say hello
the bicycle thief, "offstreet parking"
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