~ quarta-feira, janeiro 30, 2002
Sobre a canalhice masculinaKamille Viola Eu já discorri, aqui mesmo, neste site, sobre a burrice feminina. Acredito, de verdade, que grande parte do sofrimento das mulheres nos relacionamentos é culpa da cultura burra que nos ensina desde sempre a ser românticas e a esperar que homens ajam como heróis de contos de fada. Mas, apesar disso tudo, acredito que a culpa não é toda das mulheres – aliás, às vezes nós não temos culpa NENHUMA. Pra começar, homens têm dificuldade em lidar com as mulheres. Assim como nós desejamos príncipes encantados em vez de homens de carne-e-osso, eles também, muitas vezes, procuram heroínas em vez de mulheres. Em vez de procurar agir de uma maneira no mínimo respeitosa, eles buscam o caminho mais fácil pra eles. E foda-se o resto. Homens não raramente fogem da verdade. Desde situações mais ou menos bobas, como quando pegam o telefone e não ligam (não seria melhor não pegar o telefone?), até em situações mais sérias. Por exemplo, o cara que terminar e não tem coragem, não quer ter que lidar com a sua reação, e aí começa a agir de forma que você queira terminar com ele (ou seja, sendo escroto). Covarde, né? Existem também aqueles que mentem. Não querem ser cobrados mas sabem muito bem cobrar; não querem nada com você mas não deixam isso claro (pra deixar uma porta sempre aberta...); dizem uma coisa pra você, e outra pros outros (por exemplo, ele diz que "claro que você não está incomodando em ligar", e espalha que você "não sai do pé" dele). O fato é que eu estou cansada de ver minhas amigas sofrendo por terem sido sacaneadas por homens. Tá bem, elas foram burras. Mas existem homens que SE APROVEITAM da ingenuidade e da burrice femininas. Um bando de mau-caráter que não tem coragem de assumir o que quer e o que faz e sai por aí machucando pessoas. E depois saem por aí chamando a gente de maluca. Alguns, ainda, saem sordidamente espalhando coisas que abalam a nossa auto-estima (em geral, instável, pra não dizer frágil). Ao contrário da burrice feminina, eu não sei se existe solução pra canalhice masculina. Afinal, não ser burra não quer dizer não se envolver – ainda mais com uma pessoa que diz que gosta da gente. Mas tem que ter um jeito (sugestões? mandem emails). Porque, se eles não se importam, eu não agüento mais ver a mulherada mal por causa de mau-caratismo. Aliás, eu também não agüento mais sofrer.
~ terça-feira, janeiro 29, 2002
Mãos atadas, pés não
O tempo todo eu tive medo. Não procurei, só me restava esperar. Era assim que tinha que ser.
Quando a hora finalmente chegou, aconteceu o que eu mais temia. A única que coisa que eu não queria. Não era muito, mas nem isso você pôde fazer – quer dizer, não fazer.
Tudo bem.
Ou nem tanto.
CIÇA, MEU AMOR
A Cecília é uma das pessoas mais talentosas que eu conheço, sem exagero. Ela canta, compõe e escreve lindamente. Taí embaixo uma prova, a letra da nova música do Casino, banda que, se você não conhece, tem que conhecer.
De mentira
Mais do que nunca
Não posso mais provar
O que eu quero dizer não está mais lá
Nada tenho pra dizer
A não ser que o silêncio é pra você
Você me lembra alguém
Eu não pensava mais
Pra não morrer eu sei
Esqueço e aí está você
Pra me lembrar
Espalho as coisas pela chão
Já não sabia mais
O que era dele e o que era eu
Já não estava mais
E via tudo em seu final
Ladeira abaixo, um lamaçal
O meu tormento é permanente, eterno é meu é só meu é só meu
É a tua foto no meu quarto
É o meu tempo que passa
Como se nada fosse
Como se ninguém encontrasse
Como se só estivesse
Como se não coubesse
Em mais ninguém
(vou te contar um segredo
pena que você não quer escutar
e que toda vez que eu rio
toda vez que eu digo "agora tudo bem"
toda vez que eu rio
hoje em dia, é de mentira, meu bem.)
É o meu tempo que passa como se nada fosse
Como se ninguém encontrasse
Como se só estivesse
Como se não coubesse
Em mais ninguém.
~ domingo, janeiro 27, 2002
Mãos atadas
Mais um dia e eu não encontro as palavras. Nem o seu cabelo na multidão.
Angústia. Não é ânsia de desabafar: é a necessidade de encontrar as palavras certas. Nem medo de não te achar: é não saber.
Procuro, o coração descompassado. Só frases e rostos que não dizem o que eu quero. Volto ao normal.
O pior é o nada.
~ quarta-feira, janeiro 23, 2002
Eu não preciso dormir. Não preciso comer (a fome era tanta que já passou). Não preciso de um banho nessa noite insuportavelmente quente. Não preciso de finais para os meus textos. Não preciso de ânimo ou de força de vontade. Não preciso de silêncio. Não preciso do dinheiro que resolveria muitas coisas. Não preciso de um riso largo. Não preciso de um abraço se eu tiver um pesadelo ou da minha cabeça repousada no seu colo. Não preciso não ter medo de sonhar. Ou de errar. De novo. Não preciso dar ordem ao que se passa dentro e fora do meu pensamento.
Nem de você eu preciso.
Mas
eu
queria.
~ sexta-feira, janeiro 18, 2002
"Nothing better than the truth, and nothing so strange." - Daniel Webster
~ quinta-feira, janeiro 17, 2002
Coisas que se repetem
Lá fora um sol tímido, passarinhos cantando (daqui a algumas horas serão as cigarras, aqui como aí), um cão latindo incessantemente.
Algumas palavras no meio da tarde e o coração descompassado. Ansiedade: a minha e a sua, por motivos diferentes. Pra você, o novo, mais uma vez. Pra mim, o velho. Mais uma vez.
Um pensamento que não vai embora.
E o medo.
~ segunda-feira, janeiro 14, 2002
"People laugh for nothing. Like they say I love you for nothing."
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Carlos Drummond de Andrade (Claro Enigma, 1951)
VERTIGEM
Não sei bem quando o medo surgiu. Só me lembro de quando não tinha, e depois de quando já tinha. As duas vezes, no Cristo Redentor. Lá no alto, pequena, debruçada na grade, maravilhada com a vista. Alguns anos mais tarde — não lembro quantos —, acuada, me afastando da grade, fugindo de uma força meio que magnética, a gravidade a me puxar para o chão.
Acho que foi culpa de um sonho recorrente. Eu, no prédio da minha escola primária, um ar sinistro, quase macabro. A cada sonho, menos espaço para andar, até que num dos últimos de que me lembro eu me equilibrava em vigas de concreto. Embaixo, escuridão. Acordava apavorada, o coração aos pulos.
O medo se estendeu para os aviões. Voar, antes um prazer, se tornou angustiante. Passarelas para pedestres sobre ruas movimentadas viraram um pesadelo. Sempre me lembro da passarela caindo aos pedaços, o trânsito da Praça da Bandeira embaixo. Eu tentando atravessar olhando para a frente, evitando os carros, aos mãos suando, em contraste com a calma dos demais passantes.
Mas nem é preciso tanto. No metrô, fico o mais longe possível na faixa amarela, pois a tal força insiste em me puxar para os trilhos. Em varandas de apartamentos, puxa os objetos em minhas mãos, tentando arrancá-los de mim. Me afasto, vencida.
Você passa. Ao lado, uma desconhecida para mim. Embaixo, subitamente, escuridão. E o coração, aos pulos.
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