~ sexta-feira, dezembro 21, 2001
"Só há uma coisa em que homens e mulheres concordam: nenhum dos dois confia em mulheres."
(H. L. Menckem)
Da burrice das mulheres: reinvenção da roda (parte 1)
Kamille Viola
De uns tempos para cá eu venho sempre batendo na tecla da burrice das mulheres. Desde um fatídico fim de semana em São Paulo, mais precisamente. A partir daquele dia, venho comentando minha constatação com homens e mulheres e, pra minha surpresa, em geral as pessoas concordam.
No caso das mulheres, admitem a burrice emocional, o fato de não saberem lidar com os sentimentos. Já os homens costumam acreditar numa burrice mais generalizada dos seres do sexo feminino.
Se algumas mulheres sempre souberam da burrice feminina, por que nunca fizeram nada pra mudar isso? Tirando por mim (mea culpa), uma razoável parcela dos seres do sexo feminino acredita ser exceção. São as mulheres que acham que são melhores que as demais, mais inteligentes. Na verdade, são apenas inteligentes em comparação com outras mulheres, o que não chega a ser grande coisa.
E os homens? Por que também nunca se moveram? Eles sempre aceitaram essa condição e pronto, bastava ter dois níveis de conversa: a entre homens, e a entre homens e mulheres.
Eu concordo com o que pensam os homens — o que pra mim foi uma revelação, já era sabido por eles há muito tempo. Mas achar que as mulheres são burras seria machismo? Não acho. Pra mim, na verdade o machismo em grande parte é culpado pela burrice feminina. Afinal, pra quem acha que toda mulher é burra por uma questão biológica, não há nada a ser feito para mudar essa condição. Eu, no entanto, acho que o problema é cultural.
Foi mais fácil perceber isso porque, paralelamente à minha descoberta, eu estava estudando o livro Madame Bovary, do Flaubert. Nele, Emma, uma jovem bem-educada que vive no campo sonha com as maravilhas da cidade grande e da vida moderna. Emma se casa com um médico medíocre e uma vida infeliz. Ela ainda arruma alguns amantes, mas nenhum deles chega aos pés dos heróis dos livros da infância e adolescência dela.
O que assusta é que o livro se passa no século XIX. Dois séculos depois, aqui estamos nós, uma horda de Emmas Bovarys. Crescemos aprendendo a ser superficiais no saber, inseguras, românticas. Daí vêm os grandes males do comportamento feminino. Por mais que sejamos "bem-resolvidas", sempre idealizamos relacionamentos. E a insegurança dá origem ao ciúme excessivo, e também da competição entre mulheres, prática institucionalizada.
Eu acredito que o primeiro passo é a humildade. Reconhecer que nós — todas nós — somos burras e buscar mudar de atitude e, principalmente, de sentimento. Assim vamos deixar de sofrer tanto à toa.
~ sexta-feira, dezembro 14, 2001
A diferença entre o jornalismo e a literatura é que o jornalismo é ilegível e a literatura não é lida.
(Oscar Wilde)
O tapinha não dói mais?
Kamille Viola
Não faz muito tempo, um dos assuntos mais constantes na mídia e rodinhas de conversa da classe média era a explosão do funk carioca. Muitos eram impiedosos com as músicas que tocavam incessantemente nas rádios e na televisão, afirmando que eram um mau exemplo por estimular a pornografia e a violências contra as mulheres.
Embora não seja das maiores entusiastas do funk carioca atual, eu sempre perguntei: por que chamar de "cachorra" e "potranca" ofende mais que chamar de "ordinária", como o axé faz(ia)? Por que reclamam do tapinha do funk e não fazem nada contra as novelas da Globo, em que homem bater em mulher virou rotina? — lembra da surra que o personagem do Marcos Palmeira deu na Sandrinha, interpretada pela Adriana Esteves em "Torre de Babel"? Foi pico de audiência, as pessoas festejaram a cena. Sendo que, na mesma novela, havia personagens masculinos que traíam (o motivo alegado para a surra em Sandrinha) e ninguém pedia a punição deles.
Talvez a resposta pra isso esteja na música de uma dupla de MCs (o nome eu esqueci): "É som de preto / e favelado". Esse é o problema. A população em peso consome o funk (mesmo reclamando) quando ele tá na Globo, no Faustão, no Gugu, tem a cara oxigenada da Lady Lu, e não a petulância, a marra e a cara de pobre da Tati Quebra-Barraco (só pra lembrar, a "protegida" de Mr. Sam regravou a "Dança da Soka-Tcheka", conhecida há muito nas comunidades na voz de Tati).
É muito fácil engolir o discurso conservador contra o funk e não ver que: primeiro, nem todas as letras de funk carioca são machistas e, depois, que, quando são, estão refletindo uma realidade do Brasil. Como a história de que meninas engravidaram no trenzinho do baile funk (pra mim, conto da carochinha, igual à história da cadeira em que quem sentava ficava grávida). Ora, não é a música que faz as pessoas engravidarem, é o sexo. E isso eles podem fazer em qualquer lugar, não é privilégio do baile funk. O sexo é muito presente na vida dos jovens brasileiros — e não vamos esquecer que os autores dos funks são, oh! jovens brasileiros.
Certo estava o Tutty Vasquez, em artigo publicado no Jornal do Brasil em 18/03/2001: tem "gente que acha mais chocante pobre se divertindo do que se matando!" É isso aí. Agora que os pobres voltaram para os seus devidos lugares — que história é essa de invadir as salas de estar da classe média? E de patricinhas e pitboys dançarem lado a lado com pixadões e popozudas no Castelo das Pedras, baile que acontece numa FAVELA? — ninguém se incomoda com a "violência", a "pornografia" e o "machismo" do funk.
~ quinta-feira, dezembro 13, 2001
POEMAEu gosto tanto de poesia que, quando alguém me diz que escreve poemas, já fico com o pé atrás. Porque não é fácil escrever boa poesia, não é pra qualquer um. Além de o autor ser dos melhores da atualidade, o poema abaixo faz parte da antologia Os cem melhores poemas do século , de Ítalo Moricone. É claro que isso não necessariamente é parâmetro, mas o poema merece, ah, merece. Além disso, Carlito Azevedo é criador e editor das revistas Inimigo Rumor e Ficções (ambas da 7Letras), duas importantes revistas literárias.A uma passante pós-baudelairianaCarlito Azevedo Sobre esta pele branca um calígrafo oriental teria gravado sua escrita luminosa — sem esquecer entanto a boca: um ícone em rubro tornando mais fogo o céu de outubro tornando mais água a minha sede sede de dilúvio — Talvez este poeta afogado nas ondas de algum danúbio imaginário dissesse que seus olhos são duas machadinhas de jade escavando o constelário noturno (a partir do que comporia duzentas odes cromáticas) mas eu que venero mais que o ouro-verde raríssimo o marfim em alta-alvura de teu andar em desmesura sobre uma passarela de relâmpagos súbitos sei que tua pele pálida de papel pede palavras de luz Algum mozárabe ou andaluz decerto te dedicaria um concerto para guitarras mouriscas e cimitarras suicidas Mas eu te dedico quando passas me fazendo fremir (entre tantos circunstantes, raptores fugidios) este tiroteio de silêncios esta salva de arrepios. [Do livro Collapsus Linguae (LYNX, 1991)]
CONTO
Perdido
Dalton Trevisan
- Oi, cara. Que bom te ver. Pô, sabe do quê? Estou perdido.
- Estamos todos, meu velho.
- Não, não é isso. Saí de casa justo para... Muito importante. Caso de vida
ou morte. Mas, o quê?
- Ora, acontece todo dia.
- Aqui dando mil voltas. Que pô de praça é essa?
- A minha, a tua Praça Osório.
- Do nome já não lembro. Nem o dessa maldita cidade.
- Ei, meu chapa.
- Tentei telefonar - e para quem? Será que esta aliança no dedo?
- Fala mesmo sério?
- E o nome, cara? Pô, qual o meu nome? Esse outro no meu corpo... quem é?
- ...
- Como voltar pra dentro de mim? Ai, me acuda, se é meu amigo. Por favor, me
leva pra casa.
[Publicado na revista Ficções número 7, da editora 7 Letras]
~ segunda-feira, dezembro 10, 2001
Então é isso. O Davi, que editava o EU TE AMO ZiNE comigo, não pode mais fazer a parte dele. Por isso, enquanto eu não me torno mais íntima de FTP e cia (o Fred se dispôs a me ajudar, vamos ver), vou publicando textos aqui. Eu já tinha recebido alguns, então o site já vai estrear com um material razoável.
Espero que vocês gostem.
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