Distraído, deixava escapar entre os olhos e os dentes o amor que escondia dentro do peito. "Nos apaixonamos por certos olhares e sorrisos", me disseram uma vez. Sempre me lembrava disso em horas como aquela. Buscava curar minha saudade em cabelos despenteados, olhos embriagados de sono, abraços sôfregos. Nunca conheci o medo de amar, mas a melancolia que vinha em certas tardes de domingo pelo medo de perder. Não poderia haver perfeição, alguma coisa havia de acontecer para me despertar daquele sonho. Tudo um ante-clímax, um prenúncio do momento trágico que deixaria marcas no peito de alguém, quem sabe de todos. Deu um certo alívio e até consegui dormir quando ele me disse que se sentia assim também. Disse antes que eu mesma dissesse, então era verdade e não um "eu também" só para me consolar. Parecidos até no medo: alguma esperança, então, poderia se tirar daquilo.
Hoje, dia 10, esse site completa 2 anos. Grandes coisas. Mas enfim, em homenagem à data, eu, que não ando escrevendo tanto quanto em outras épocas (mas olha
lá que tem o meu dedo), escrevi uma coisinha. Espero que gostem.
***
Mar
Da esquina, entre os prédios e árvores, dá para ver um resto de praia. Eu paro um minuto, mas logo sigo em frente, desviando de poças, buracos na pedra portuguesa e velhinhas com cachorros. "Eu te amo", ainda ecoava dentro de mim. As coisas deveriam ser simples, mas quase nunca são. "Ama? Então prova", eu quis dizer; mas, ao invés disso, fiquei em silêncio – o que, no fim das contas, é a mesma coisa.
Preciso ir pra casa escrever, é o que eu penso. Uma ânsia, uma angústia. Escrever alivia a vontade de escrever e só; não alivia a vida. Mas não há muitas alternativas: viver dói. A única opção é não viver, e isso está fora de cogitação.
Então seguimos. Desviando de de poças, buracos na pedra portuguesa, velhinhas com cachorros, corações em dúvida, planos desfeitos. Ao menos há sempre um restinho de mar pra se olhar.
O
Blog de autores é uma coletânea de autores da internet. A décima edição foi organizada pela
Fernanda, leitora antiga aqui do blog, e ela me convidou pra participar. Escolheu um texto antigo,
tá lá, dêem uma olhada.
Após tantos instantes
um atrás do outro
que um dia pareceram desperdiçados
agora finalmente
parece ter sentido:
nada é por acaso.
("você não acha?")