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~ sexta-feira, janeiro 20, 2012
 
Geografia

Essa cidade é tão grande que nela você se sente ainda mais sozinho. Você não acha?, eu te pergunto. Demora um pouco pra você se adaptar, você me explica. Não é uma cidade da qual a gente goste de cara. As ruas sem quase ninguém pelas calçadas me dão a sensação de que sempre é mais tarde do que realmente é. Além do mais, no inverno o sol se põe mais cedo, e os dias têm sido tão lindos e claros que a diferença é ainda mais brusca. Caminho pelas esquinas, o ônibus, o metrô e queria ser invisível, mas sei que não tenho como. Essas pessoas sabem que eu não sou daqui. Também elas não são, embora já não sejam também das cidades de onde vieram: não pertencem nem a um lugar, nem a outro. Como você. Você que é do mundo, mas em algum canto da alma nunca deixou de ser um menininho que nadava no rio. Isso fez minha imunidade ficar forte, eu quase nunca fico doente, você me conta. A cidade onde agora nós estamos, pra mim por muito tempo, ou quem sabe pra sempre, vai ter os cheiros da sua casa - que eu imagino que sejam, também, os cheiros do lugar distante de onde você veio: os vários sabores da sua comida, o perfume do seu cabelo caindo insistentemente sobre o meu rosto (embora você ajeite repetidamente e ria a cada vez que ele caia novamente). Aqui eu quase não ouço os carros, e eles são tantos, mas os passarinhos cantando antes mesmo que a manhã chegue. Os meus silêncios às vezes parecem te incomodar, assim como o fato de que eu consigo sentir o seu coração acelerado. Se você quiser se afastar de mim eu não vou poder fazer nada, mas vou sentir sua falta. Eu posso andar pela cidade, visitar o planetário, jantar com novos amigos, dançar e beber até ficar engraçada ou lânguida, aceitar o convite de um outro pra dormir na casa dele, encontrar uma amiga, tentar conhecer outras pessoas, gastar um dinheiro que eu não tenho em uma boate glamourosa, enfim, são tantas as coisas que eu poderia fazer nesta noite de sexta-feira, mas eu preferia estar com você e conversar sobre assuntos infinitos, deitar minha cabeça no seu peito até que os passarinhos voltem a cantar  e decidir ficar na cama só por mais dez minutos pelo menos umas cinco vezes, até quando chegar a hora em que seja inevitável dizer tchau, ou talvez um até logo.
~ segunda-feira, janeiro 16, 2012
 
Já publiquei este poema aqui, mas, enquanto não volto com meus próprios textos, publico ele de novo, de tanto que gosto.


Agradecimentos


Estou em dívida com aqueles 
por quem não estou apaixonada. 

Devo a eles o alívio de saber 
que de outros eles estão mais próximos. 

A alegria de não ser 
o lobo de seus cordeiros. 

A paz vem junto deles, e a liberdade 
também, coisas que o amor não sabe dar 
ou sustentar por muito tempo. 

Eu não os aguardo 
correndo da porta para a janela. 
Sou paciente como um quadrante solar, 
pronta a compreender 
aquilo que o amor não compreende, 
pronta a perdoar 
aquilo que o amor não perdoaria jamais. 

De uma carta a um encontro 
não se instala uma eternidade, 
mas apenas alguns dias comuns, semanas comuns. 

Com eles as viagens são bem sucedidas, 
os concertos bem escutados, 
as catedrais bem visitadas, 
as paisagens bem observadas. 

E quando terras e oceanos nos separam, 
trata-se de oceanos e de terras 
bem conhecidos pela geografia. 

A estas pessoas devo o fato de viver 
num mundo sólido, 
num espaço não-lírico e não retórico 
dotado de um horizonte real, móvel, como tem que ser. 

Ah! eles ignoram com certeza 
quantas coisas me trazem em suas mãos vazias. 

("Eu não devo nada a essas pessoas" 
diria o amor 
a esse respeito.) 

- Wislawa Szymborska

 

Lay-out por Davi Ferreira