É estranho como às vezes nem é preciso muito tempo pra que as coisas mudem tanto. Ele ficou em algum canto da memória, quase esquecido como o antigo apartamento perto da pracinha. De vez em quando ainda tenho o ímpeto de descer do ponto de ônibus do velho endereço, assim como às vezes me vem alguma lembrança embaçada de algum momento com ele, o sotaque, a voz ecoando na minha cabeça. Cada vez mais raro. Como se um dia eu não tivesse desejado que aquela noite de ano novo não tivesse terminado nunca; como se eu não tivesse refeito mentalmente nossos diálogos tantas vezes; como se eu não tivesse acreditado que em algum lugar, em algum momento, talvez fosse possível outra vez. Quando foi, o meu desejo já não era esse, o meu primeiro pensamento ao acordar e o último antes de dormir já não eram ele. Casa nova, paixão nova. Muito simbólico. Aqui já não existe espaço pras lembranças dele. A foto não voltará para a parede, a música que me lembra ele não será mais uma pontada no peito, incômodo na boca do estômago. Não desejarei mais um sorriso de bom-dia dele pelas manhãs. Um tanto melancólico perceber que uma paixão desapareceu quase que sem deixar vestígios. Mas o coração, sem-vergonha, não faz a menor questão de ficar quieto...