Cenas de um filme inglês*Bebo um mate, distraída, e escuto
eu faço samba e amor até mais tarde, olha, é a Bebel Gilberto, então eu penso como a vida é engraçada, e em noites como essa parece até um filme, europeu, no meu caso – sempre pensativa, muitos silêncios –, ainda mais com esse friozinho, eu gosto, mas só quando não tem chuva, que nem agora, é bom.
Eu tenho muito sono de manhã, é a minha música do Chico, eu sempre disse, parece que ele fez pra mim, e quando eu vi o Wado cantando ela no meio de Ontem eu sambei pensei que legal, ele também gosta dessa música. E Bebel Gilberto quase nem toca no rádio, não é muita coincidência?, ou não existem coincidências e isso é um sinal, a vida minha dizendo olha aí, não vai cair outra vez, isso de dar a cara a tapa pode ser perigoso. Vou andando e lembro da música do meu amigo, ecoando na cabeça,
eu não sou capaz de dividiiiir, será que eu não sou capaz de dividir, como um dia ele me disse, mas também foi tanta coisa que ele me disse que eu nem sei, o que você acha? Tem até lugar pra sentar no metrô, o que faz parecer ainda mais um filme, mas não esses filmes de humor grosseiro e piadas gratuitas, que nem tá falando a moça do meu lado, ela não gosta daquela mulher tatuada que fazia o Saia Justa, que escreveu o filme de ontem, e olha que ela gosta da Marisa Orth e do Evandro Mesquita, como é que bons atores se prestam a um papel desses?, não, um filme profundo em que moças de fisionomia triste escrevem sabe-se lá o que no metrô, depois seguem pelas ruas da cidade olhando as vitrines, desviando das pessoas, ninguém imagina o que passa dentro de sua cabeça (talvez algum desses cronistas pós-modernos tente, para depois escrever sobre), e seguem para casa lembrando de amores perdidos, e choram pelo que não conseguem entender, até que um dia isso se torne apenas uma lembrança distante, como um filme. Europeu, é claro.
*Título de uma música gravada por Wado.