Ausência
Existem coisas que ficam tão sem graca sem você...
um quarto vazio numa sexta-feira meio fria
uma noitada num lugar qualquer no Rio
uma paisagem bonita
(eu tenho que te mostrar as minhas preferidas –
só tenho medo de você roubá-las,
e, não sendo mais só minhas,
se algum dia eu me separar de você,
não poderei mais olhar pra elas em busca de calma).
me fogem as palavras
quando tento te explicar
sobre o nosso encontro
prefiro responder
com infinitos silêncios
nos olhos,
no céu da boca,
em todos os poros,
no seu travesseiro.
(Eu te amoidsch = Eu te amo +
Moidsch)
Sob o cinza
Não tive muitas lembranças da primeira vez em que estive lá. Não sei o ano. Sei que fomos de carro, eu e meus pais. Aliás, não sei se aquela foi mesmo a primeira vez, porque eu me lembro também de ter ido de avião com a minha mãe uma outra vez, não sei se antes ou depois.
Quando voltei lá e já não era mais criança, ainda assim não bateu. As lembranças já são esparsas, embora não tanto quanto as da infância. Mas lembro bem da primeira vez que a cidade me marcou. Fui para ver um show. Um show, se espantou minha mãe. Quem é que vai a outro estado pra ver um show?
Pois dessa vez eu notei bem o bloco cinza que se estendia no céu, uma nuvem densa, espessa, contínua, cinza como nenhuma cidade até então tinha se mostrado pra mim, um vento gélido cortante como a minha cidade jamais ousara ter.
Nesse mar de prédios, asfalto e fumaça, de poucas e tímidas árvores, um sotaque que por vezes fere o ouvido, meninas e mulheres muito maquiadas e arrumadas (e homens também muito arrumados), trânsito enlouquecedor, todos os clichês de uma moderna-e-movimentada metrópole, apesar da insistência amiga para ficar mais uns dias, a sensação que não desgrudou era de que eu não pertencia àquele lugar.
A partir daquela vez, todas as outras foram menos traumáticas. Conhecendo mais alguns lugares – mas sempre há mais e mais a descobrir, às vezes essa cidade parece infinita –, rostos, bairros, ruas, estações de metrô, me sentia menos perdida. Um lugar é muito mais interessante depois que se tem uma história nele: saí, bebi, me apaixonei, esperei em vão, dancei, chorei, conheci pessoas, encontrei outras por acaso... A sensação de solidão, no entanto, era a mesma. Lá estava eu, um grão de areia perdido numa multidão, uma alma vagando invisível por entre todas as outras, coadjuvantes do meu monólogo. Continuava a sensação de não pertencer àquele lugar.
E então da última vez que eu estive lá, mais uma vez eu tive medo. Porque aquela cidade me assusta, faz eu me sentir pequena e frágil. E talvez tenha sido esse medo que me fez vomitar. Eu pus pra fora cada coisa que ingeri sob o céu sem estrelas, eu quis botar pra fora o mal-estar e não consegui, eu quis chorar de dor e também não consegui.
Mas eu descobri que é possível ser feliz naquele cinza. Mesmo com a confusão, os medos, os desentendimentos. É possível esquecer a dor, o enjôo, o vômito. O trânsito irritantemente engarrafado, as pessoas olhando de cara feia pra você que está passando mal: esquecer. Com o improvável, com o imprevisto. Com o inevitável (como se alguém tentasse evitar...). Sem fazer nada. Falando compulsivamente e calando sem constrangimento.
É possível ser feliz simplesmente por olhar e receber esse olhar de volta. Por dividir, por acrescentar. Por ser tudo muito natural, ainda que sujeito a tropeços, dúvidas e certezas. Por ser muito intenso.
Com tudo isso, ainda assim eu não pertenço àquele lugar. Mas alguma coisa nele agora me pertence.
Que lindo isso que o pai do
Silvio escreveu:
Bilhete
Podes calar,
já consigo
ouvir
os teus silêncios.
Marcelo Ribeiro