Volto pra casa sozinha a pé e não tenho medo. O pensamento, como quase sempre, está longe das ruas a essa hora desertas e ainda úmidas da chuva, de vez em quando repousa sobre a lua ou uma folha seca no chão, perto da banca de jornal – sempre no mesmo lugar, é como se fosse a mesma folha, um eterno
déjà vu – ou ainda nos despachos na esquinas.
Certa vez me disseram: champanhe e rosas vermelhas são oferendas pra pombagira. São trabalhos para trazer a pessoa amada. Tanto a desejar nesse mundo, mas essas pessoas querem nada mais que um amor – sucesso, dinheiro, saúde, tudo em segundo plano. Querem tão intensamente que acham digno rogar isso aos deuses, e não se importam com os olhares ora censores, ora curiosos enquanto fazem seus rituais.
Há quem peça licença ao passar por um despacho. Eu não: caminho sem temer os perigos desse ou do outro mundo. O meu medo agora está longe de onde eu estou, como o meu pensamento. Está naquilo que não posso controlar, está onde acaba o meu poder de realizar. Seria mais fácil não desejar o que não posso decidir, se a minha felicidade estivesse toda nas minhas mãos. Nada de aperto no peito, frio na barriga ou milhares possibilidades. Nunca mais ilusões. Nunca mais tentar e errar.
(e eu faria tudo igual outra vez, se pudesse escolher)