Domingos
– Hoje senti falta de alguém dormindo na minha cama enquanto eu via tv. Ah, besteiras.
– Besteiras são coisas legais. Mas nem sei se é isso que eu queria.
– É legal, sim. Convivência rotineira de final de semana, compartilhar café, ler o jornal.
– Acho que as pequenas coisas vão morrer com a gente. Às vezes parece que é isso... que vão nos manter ligados pra sempre, numa outra dimensão. Como se em outro lugar e tempo ainda existíssemos juntos, vivêssemos uma realidade paralela. Como se nenhuma história terminasse, como se em um certo ponto um relacionamento se bifurcasse em várias outras possibilidades, mas nunca deixasse de existir.
– Não sei, fico cada vez mais com medo de relacionamentos, acho que resta muito pouco. Não dá pra sobrar amizade, é estranho. Você passa meses, anos, e depois é como se não tivesse conhecido a pessoa, ou que não tivesse tido contato tão íntimo.
– Ou é isso, ou é ter sempre um pouco de amor.
– Exato.
– Eu acho melhor ter um pouco de amor, melhor do que não ter existido nada. É ruim olhar para um ex-amor como se fosse um estranho. Tipo aquela música do Roberto, "fui tanto pra você e hoje eu nada sou". É muito ruim olhar e ele não te significar muito... parecer que foi algo distante, um filme... parecer que não foi você que viveu aquilo. E dá medo de você também não ser nada pra quem te significou tanto.
– Não sei, um pouco de amor pode ser ruim. Ex-namoradas minhas gostam de mim, eu gosto de outras. Nenhuma posição é boa, só se fosse bilateral, mas se for bilateral não acaba... dói.
– Acaba sim... E eu e o Nicolau temos um pouco de amor. Dói, só que eu prefiro assim a nada. Nada também dói. De outro jeito, mas dói. É estranho, péssimo. Ainda mais quando o olhar da pessoa diz que ainda existe um pouco de amor.
– Aí você lembra de espaços de tempo e não encaixa a pessoa.
– Até encaixa, mas não te faz tanta falta. Você lembra com carinho, mas carinho não é muito.
– Putz, isso é muito ruim.
– Pois é.
– Eu sinto raiva de mim, às vezes.
– Eu também.