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~ segunda-feira, setembro 30, 2002
 
Bom até debaixo d’água


A chuva que caía no Rio de Janeiro na terça, dia 24, era de desanimar qualquer um. Quem mora na cidade sabe o caos que isso aqui se torna quando chove. O suficiente para desistir das sessões para imprensa de filmes do Festival de Cinema do Rio, por exemplo. Mas quando uma amiga avisou por telefone que ia ter showcase do Wado no Árabe da Gávea, o jeito foi me munir de casaco e guarda-chuva e me aventurar até o outro lado da cidade.
O trânsito estava tão engarrafado que o próprio cantor chegou atrasado (o show estava marcado para as 20h). E eu, mais ainda. Com um telefonema no meio do caminho, para um amigo que estava lá, fiquei sabendo que já tinha começado: do outro lado da linha, eu ouvia “Fafá”. A vontade era não desligar, já que à minha frente eu só via carros parados. Quando finalmente pus os pés no local, já tinham se passado uns vinte minutos de show.
A essa altura você deve estar se perguntando quem é Wado. Provavelmente nunca ouviu falar dele, ou ouviu falar por alto – o que prova que o mercado fonográfico no Brasil pode ser muito injusto.
Wado, ou Oswaldo Schlickmann, é jornalista, desenhista, produtor, arranjador, e principalmente cantor e compositor. Catarinense de nascimento e alagoano de coração, tem algumas fitas demo e um disco no currículo (O manifesto da arte periférica, lançado pela Dubas em 2001 e com excelente recepção pela crítica) e prepara-se para lançar outro álbum.
Apesar de praticamente desconhecido do grande público, Wado é, sem dúvida, um dos grandes talentos da música brasileira feita atualmente. Sua música tem influências como Jorge Ben, Tropicália, Arnaldo Antunes e o movimento mangue bit, mas nem por isso se torna óbvia e repetitiva ou deixa de ser criativa. Ao lado de nomes como Sonic Júnior e Mopho, ele mostra que o país só tem a perder enquanto não prestar mais atenção no que tem sido feito em Alagoas.
O caso de Wado nos deixa ver como as coisas são (mais) difíceis para quem está fora do eixo Rio-São Paulo. Sua banda é formada por Alvinho (guitarra), Júnior Bocão (do Mopho, no baixo, no lugar de Glauber, que acaba de deixar a banda), Juquinha (flauta transversal e zampônia, aquela flauta andina, do deus Pã), Theo (bateria) e Otávio (percussão e groove box). Porém, quando viaja para São Paulo (onde vai passar agora uma temporada de pelo menos um mês), ele e Alvinho se apresentam somente com o baterista Thiago Nistal e o baixista André Corrad (ambos do extinto Oito, de SP). E os dois shows no Rio de Janeiro foram mais minimalistas ainda: somente Wado e Alvinho nos violões.
E o show só confirma que alguns dos melhores compositores da atualidade estão no Nordeste. Ao chegar, esbaforida, fui logo bem-recebida: mal adentrei o lugar e Wado e Alvinho mandaram “Beijou você” (de autoria deles dois), meu hit pessoal do primeiro disco. Na seqüência, “A gaiola do som” (parceria de Wado, Alvinho, Juquinha e Júnior Bahia), “Poema de Maria Rosa” (Alvinho), "Santa Clara clareou", de Jorge Ben (lembrando a música cantada por crianças para espantar a chuva), “Poço sem fundo” (Júnior Almeida), “Diluidor” (de Wado e Juninho, do primeiro disco) e “Cenas de um filme inglês” (Jaguaribe Carne, banda extinta da Paraíba). À exceção da vinheta e de “Diluidor” (que está no Manifesto), todas fazem parte do trabalho novo.
No intervalo, Wado aproveita para contar que o disco Cinema auditivo, que sai pelo selo paulista Outros Discos (de Maurício Bussab, do grupo Bojo), tem lançado marcado para o dia 12 de outubro na Loud, no Rio e dia 23 no Blen Blen, em São Paulo. O disco foi todo gravado no quarto de Wado e tem requintes com violoncelo e flauta. “O nome é Cinema auditivo porque tenta remeter a imagens através do som”, explica o cantor. “Imagens, texturas, sombras”, diz, lembrando, com modéstia, que outros artistas, como o Cinematic Orchestra e Naná Vasconcelos, já trabalharam com esse conceito.
Depois da pausa, mais pérolas: “Música pra divertir”, “Ontem eu sambei” (Fabio Trummer, do grupo pernambucano Eddie, também compositor de “Quando a maré encher”, gravada pela Nação Zumbi e por Cássia Eller), “A coisa mais linda do mundo” (Alvinho), “A linha que cerca o mar” (Wado/Glauber, saiu na coletânea da revista Frente), de novo “Cenas de um filme inglês” e “Uma raiz, uma flor” (Wado, Alvinhos e Georges Bourdoukan). O público pediu bis com entusiasmo e ganhou de presente “Tarja Preta” (Wado)/“Fafá” (Adriano Siri, do Santo Samba), essa pra quem tinha perdido, e “Poema de Maria Rosa”.
Quem estava ali saiu com a certeza de que encarar a chuva tinha valido a pena. E enquanto não sai o disco novo e os shows do Wado ainda são escassos, o jeito é ouvir as músicas do primeiro disco (elas estão todas disponíveis para baixar no site do cantor) e aguardar. Ansiosamente.

_______
* A editora não quis publicar, então botei aqui. Hmpf.

 

Lay-out por Davi Ferreira