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~ terça-feira, setembro 24, 2002
 
Apenas um telefonema numa tarde chuvosa

Você foi embora aos poucos. Saiu levando meus sonhos, deixando pra trás as minhas lágrimas, as palavras presas na garganta cansada de tanto falar e alguns objetos de aparente pouca importância. Durante um tempo, encontrar cada um deles era como morrer um pouco. Parece exagerado, mas eu ainda lembro da dor de perder um grande amor, ela é física e dói como se nunca mais fosse parar, e não existe remédio que alivie, nenhum além do tempo.
Você me pergunta sobre aquela foto que me deu há muito tempo e eu tenho medo de você me dizer que vai querer de volta. Não, eu não devolveria, mas me dói um pouco pensar que você possa querer levar também minhas lembranças. Como se tudo o que a gente foi não fizesse falta pra você. Como se pudesse não ter existido.
Já faz algum tempo que a gente não se fala e um dia eu chego em casa e tem esse seu recado na secretária. Eu ouço e penso em ouvir de novo, mas desisto achando que seria meio obsessivo. Eu gostaria de perceber o que se esconde por trás da sua entonação, das palavras – foram escolhidas com cuidado ou ditas distraidamente?
De repente parei pra pensar que talvez eu não signifique na sua vida o que você significa na minha e que eu achava que significava na sua também. E agora tenho medo de ser cada vez mais dispensável na sua história, uma lembrança vaga, como se fosse um filme a que você assistiu há muito tempo.
Porque eu queria que você sentisse como eu sinto. Que pequenas coisas minhas te fizessem sorrir como eu sorrio quando lembro de você. Que você quisesse que eu estivesse contigo quando você ficasse doente. Que você tivesse saudade de como eu era pra você e não posso ser mais. Que te doessem às vezes os nossos planos que nunca se realizaram. Que você chorasse quando pensasse que os filhos que eu vou ter não vão ser seus. Mesmo que só no escuro. Mesmo que só um pouquinho.

 

Lay-out por Davi Ferreira