AtrasadoA voz dele não ecoa mais pelas palmeiras da rua Paissandu. Se quero escutá-la, tenho que me esforçar um pouco. A praça onde nunca sentamos para uma cerveja ganhou outro sorriso, que também nunca sentou por ali. Amores vão, outros vêm, e por que haveria de ser diferente com nós dois? Livros e músicas, um nascer do sol, uma maneira de ver a vida, eu nunca conheci que visse a vida assim também, como o seu filme preferido pode ser esse, filmado no bairro onde eu moro? Eu amo a sua cidade e sou carioca no coração, um dia eu vou morar aqui, não ter que fazer concessões num relacionamento não tem preço, porque nós gostamos das mesmas coisas e ninguém precisa abrir mão de nada. Já tenho saudade, muita, obrigado por me mostrar esse mar, eu não quero ir embora, nada vai separar a gente porque foi o destino que nos uniu, eu não acredito em destino mas eu sei, não fica triste, a vida é boa: a gente se encontrou. Todos meus amigos dizem que eu sou louco mas eu tenho muita certeza, desde aquele dia o meu sentimento não é o mesmo, a gente não foi feito um para o outro, eu só pensei aquilo porque eu estava no Rio. Ele nunca deixou de pensar na gente: era tão claro que seria assim, só ele não quis ver. Por meses as ruas do Flamengo todas esperavam que ele voltasse. Ou ao menos dissesse: desculpa, estou com saudade. Mas ele não dizia. Ele era homem, e por que haveria ser diferente de tantos outros?
Assim, suavemente, as esquinas, o portão de entrada, o porteiro emburrado: tudo foi deixando de ser dele, até mesmo o último pensamento da noite. E quando já não havia quase nada daquele azul onde dava vontade de mergulhar, um outro cheiro, outra camisa em cima do monte de roupas, outro bom-dia. A paixão não bate à porta, mas pode tocar a campainha. Desculpa, estou atrasado, disse você ao telefone, ainda sem saber o significado que essa frase ganharia mais tarde. Ele, do olhar infinito, ainda escreveu emails falando de saudade e boas lembranças. Mas era tarde demais.