Dia 31
É quase ano novo e sua voz volta a ecoar entre as árvores da rua Paissandu. Já esteve longe, eclipsada por uma nova voz, novo sorriso, novos sonhos em comum - certos sentimentos às vezes vêm e vão, quando achávamos que não voltariam mais, mas sem certeza, afinal são poucas as certezas nesta vida. E é fácil entender porque sempre esteve de certa forma ali, a sua voz, escondida, louca pra sair, repetir sonhos e promessas. Existem coisas que são, e nem eu, nem você podemos evitar, como na música famosa do Roberto Carlos: são coisas muito grandes pra esquecer. E a maior "vingança", ou ao menos consolo de um dia conhecer alguém com quem a gente se pareça tanto é que se em muitos momentos você lembra do outro - já que são tantas as coisas que os dois gostam, tantas as opiniões que compartilham, tão igual é o mundo pra vocês -, o mesmo vale para o lado de lá.
Tu n'oublieras pas. Seja em quantas línguas for, não vai esquecer. Aprenda quantos idiomas quiser, as lembranças estarão lá, doces, amargas por serem hoje ausência, ácidas em sua eficiência de sempre lembrarem. Caminho um caminho já feito outras vezes; não tantas, mas o suficiente para que ele tenha se tornado um flashback. Faz um dia lindo e eu tento não pensar em tantas coisas além de sol, vento nas árvores, uma música que canto alto sem me preocupar com as pessoas em volta. O agora. Quero focar no agora. O horóscopo de hoje diz que é um dia confuso até para sonhar. Como se não fossem quase todos. Será?, pergunta uma amiga, será que não acabou? Mais uma pergunta sem resposta, mas melhor ter perguntas do que nada, o benefício da dúvida às vezes é mais reconfortante que o não seco, frio, como um dia foi a sua voz, bem longe as palmeiras e da praça e de tudo o mais que não-vimos juntos, em nossos planos infinitos. O melhor é saber, com a mesma certeza de que a vida é um filme, de que no peito d'ele, neste exato momento, também paira essa interrogação. Feliz ano novo.