Chego à cidade cinza depois de meses sem pisar aqui. A demora do avião faz parecer mais penoso. Pousamos longe: é preciso pegar um ônibus até onde me esperam. Já é tarde e o céu é opaco, com uma neblina que não é do frio: parece mais a cidade a expirar. A luz de mercúrio se mistura com o cinza-chumbo, num horizonte que não é visto em nenhum outro lugar, só nessa cidade que eu amo-odeio, de onde sinto muita saudade, mas onde não poderia morar - eu preciso sempre voltar pra casa. A cidade insone pra mim é como um namorado de quem de vez em quando a gente lembra com saudade e carinho, mas com quem não pode ficar: vocês se atraem, mas sabem que não combinam.
A cruz de uma igreja é de neon e está meio apagada, como se não houvesse a salvação completa. Um caminho que eu conheço, mesmos túneis e elevados: é como se, a cada vez que eu volto aqui, o tempo continuasse exatamente onde parou quando deixei a cidade. Nada mudou, nenhum centímetro de todo esse concreto. Nem o grafite de 450 anos, comemorados há dois. Ficou me esperando, para então quase me desintegrar, pequena, invisível entre os carros que vão e vêm de todos os lados. Tantas vezes aqui e é sempre um labirinto. Já estou aqui em São Paulo, só não sei onde, diz uma mulher ao meu lado, também perdida no labirinto.
Algumas ruas daqui guardam lembranças cada vez menos nítidas, culpa do tempo. Mesmo assim, me enchem de nostalgia. É como se estivesse num outro tempo, nem o passado, nem o presente: uma dimensão quase inexplicável, talvez algo entre o sonho e o despertar. São Paulo me engole, aqui sou a mais solitária das criaturas, minúscula diante do universo, encolhida pela cidade, um gigante aos meus olhos de menina. Um silêncio profundo, como se só o que eu ouvisse fosse a minha voz interior, ecoando entre viadutos e avenidas.
Entre tantos rostos desconhecidos e alguns familiares, aqui eu imagino por alguns dias como minha vida poderia ser. Deixar tudo pra trás, começar de novo. Minha realidade virtual, com trilha sonora própria e sabores diferentes. Cada vez um lugar que eu nunca vi. Cidade infinita.
Acordei e já é hora de ir embora. O coração apertado: eu sei que não podemos ficar juntos, mas vou sentir saudade de você. Vou esquecer que o trânsito me sufoca, que nem sempre é bom andar por ruas que eu não conheço, que você guarda em seus cantos uma vida que eu sonhei mas não vivi. Só vou lembrar dos risos que eu deixei entre os bares, da alegria infantil enquanto as luzes apagam e acendem na pista de dança. Deixa eu ir embora antes que você me agarre de uma vez e eu venha tentar aqui as respostas que não encontrei. Solta a minha mão, preciso ir. Eu volto, sempre que der eu volto. Mas isso você já sabe.